Uma Reunião que Mudou um País: O Que o Agro Brasileiro Pode Aprender com a China?

Muito se fala e se admira o milagre econômico chinês. O Brasil acompanha com atenção a ascensão da China como potência global, sua velocidade de crescimento, sua capacidade industrial e sua influência internacional. Muitos, inclusive, citam a China como modelo a ser seguido.

Mas o que poucos lembram ou sequer conhecem é como esse milagre começou. Antes de arranha-céus, zonas francas e exportações bilionárias, houve uma reunião. Sim, uma reunião de escuta e reflexão. Em dezembro de 1978, logo após o fim da era Mao, o novo comando do Partido Comunista Chinês decidiu parar tudo para pensar. A chamada Conferência Teórica de 1979, promovida por Hu Yaobang, figura-chave da ala reformista do Partido Comunista Chinês (PCC), com apoio de Deng Xiaoping, reuniu cerca de 200 pensadores, economistas, cientistas e formadores de opinião para uma imersão intelectual não apenas ajustes técnicos, mas a revisão da própria ideologia do regime, com um objetivo: repensar o país.

Quem foram os formadores de opinião reunidos?

Naquela época, a China era um país extremamente pobre, isolado e mergulhado nas consequências catastróficas da Revolução Cultural. Em vez de insistir no modelo fracassado, os líderes decidiram ouvir. Reuniram nomes com visões diferentes, inclusive conservadores, para deliberar sobre um novo caminho.

Entre os participantes estavam:

  • Economistas renomados que defendiam reformas pragmáticas e estudavam modelos internacionais de desenvolvimento;
  • Cientistas e acadêmicos de diversas áreas, incluindo ciências sociais e políticas, que buscavam adaptar a teoria socialista às novas realidades econômicas e sociais;
  • Jornalistas e intelectuais públicos que influenciavam o debate nacional sobre o futuro do país;
  • Líderes do Partido Comunista e técnicos do governo, tanto reformistas quanto representantes do setor mais conservador, garantindo que o diálogo contemplasse múltiplas perspectivas;
  • Formadores de opinião rural e urbanos, que traziam as experiências vividas nas diferentes regiões da China, essenciais para o debate sobre modernização e desenvolvimento;
  • Especialistas em ciência e tecnologia, destacando a importância da inovação para o progresso nacional.

Essa diversidade buscava garantir um debate amplo, capaz de superar o pensamento dogmático e encontrar soluções realistas para o desenvolvimento.

Quais foram as Diretrizes fundamentais definidas na conferência?

Dessa rica troca de ideias, emergiram algumas decisões e consensos cruciais para o futuro da China:

  1. Pragmatismo como critério de verdade em vez do dogmatismo ideológico.
    A conferência reafirmou a necessidade de avaliar as políticas pela sua eficácia prática, e não apenas por sua conformidade ideológica. A célebre frase de Deng Xiaoping, “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace ratos”, sintetiza essa visão.
  2. Revalorização do papel dos intelectuais e especialistas
    Os intelectuais, que haviam sido marginalizados e perseguidos durante a Revolução Cultural, foram reconhecidos como fundamentais para guiar as reformas e o avanço científico e tecnológico do país.
  3. Abertura à modernização tecnológica e ao conhecimento externo
    Reconheceu-se que o progresso exigiria o contato e a cooperação com o exterior, tanto para aquisição de tecnologia quanto para o aprendizado de modelos de desenvolvimento mais eficientes.
  4. Descentralização do controle econômico
    A conferência sinalizou a importância de transferir autonomia para governos locais e empresas, reduzindo o controle rígido do centro e permitindo maior flexibilidade e inovação.
  5. Implementação das Quatro Modernizações
    O compromisso formal com o desenvolvimento da agricultura, indústria, ciência e tecnologia, e defesa nacional, que passaram a ser prioridades políticas e econômicas.
  6. O ponto de partida: compreender e superar os erros do passado.
    A conferência não negou a importância histórica de Mao Zedong, mas abriu espaço para uma avaliação crítica das consequências negativas de suas políticas, liberando o país para mudanças necessárias, mostrando que o progresso exigiria rever lideranças históricas.

Esse evento silencioso, pouco comentado fora da China, foi o ponto de partida de uma transformação que levou o país de um atraso rural à uma líder global.

E o Brasil?

No Brasil, há décadas convivemos com um ambiente político conflituoso, polarizado e incapaz de formular consensos duradouros. Toda tentativa de reforma esbarra em interesses partidários ou ideológicos. Todo projeto de futuro é reduzido a slogans. A sociedade se fragmenta e o Estado parece incapaz de pensar em algo que vá além do próximo ciclo eleitoral.

Muitos exaltam o sucesso chinês. Falam com entusiasmo do socialismo de mercado, da industrialização, da redução da pobreza e da capacidade de planejamento. Mas poucos se perguntam:

Estamos dispostos a fazer o que a China fez?

Poucos no Brasil propõem reunir economistas de diferentes linhas, empresários, movimentos sociais, universidades, técnicos do setor público, militares, ambientalistas e comunidades tradicionais em uma grande imersão nacional para pensar o país. Poucos desejam abrir mão do protagonismo individual em nome de um pacto coletivo de desenvolvimento.

Na China, a transformação começou com escuta e pensamento estratégico. No Brasil, queremos milagres sem reflexão. Exaltamos resultados sem entender os processos que os geraram.

Quando vamos parar para pensar?

O Brasil não precisa e nem deve copiar o modelo chinês. Temos outra história, outra cultura, outra Constituição. Mas precisamos, com urgência, aprender com o gesto político da China em 1979:

Reunir os que pensam diferente e construir um novo caminho juntos.

Isso significa criar um espaço de escuta profunda, sem holofotes, sem vaidades, onde a prioridade não seja vencer um debate, mas salvar um país. O Brasil segue acumulando desigualdades, conflitos sociais, instabilidades fiscais e desindustrialização. Isso não se resolve com discursos inflamados, mas com planejamento, diálogo e coragem para rever dogmas.

Não está na hora do agro também parar para pensar?

O agronegócio brasileiro, apesar de ser um dos motores da nossa economia, gerador de renda, emprego e divisas, ainda enfrenta resistência e preconceitos que atrapalham sua evolução como setor estratégico para o país. Muitos o reduzem a estereótipos como “latifúndio atrasado” ou “inimigo do meio ambiente”, ignorando a complexidade e a diversidade da atividade agropecuária brasileira, que envolve desde pequenas propriedades familiares até sistemas de produção altamente tecnificados.

Além da imagem distorcida, o agro sofre com falta de articulação institucional, ausência de planejamento de longo prazo e fragmentação entre seus agentes. Elos da cadeia até dialogam e buscam algum entendimento, mas esse diálogo ainda enfrenta dificuldades para se transformar em ação coordenada e impacto real. Falta um ambiente que integre essas vozes em um projeto comum, capaz de gerar políticas duradouras, estratégias coletivas e soluções aplicáveis à complexidade do campo brasileiro.

Temos competência produtiva, tecnologia e conhecimento técnico. O que falta é o mesmo que faltava à China antes de sua virada histórica: parar para pensar, ouvir diferentes vozes e formular um projeto de país com o agro como protagonista. Se queremos respeito, reconhecimento e influência global, não basta produzir bem. É preciso pensar juntos, comunicar melhor e agir com visão de futuro.

Quando vamos sentar à mesa com produtores, técnicos, pesquisadores, formadores de opinião do campo e da cidade, investidores, universidades e lideranças políticas e do setor para pensar juntos o futuro do setor?

A China decidiu pensar e colheu os frutos.

E nós? Quando vamos fazer nossa própria Conferência Teórica?

 

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29/07/2025