Produzir Mais e Ganhar Menos? Entenda o Paradoxo da Produtividade no Campo Brasileiro

Por que, em plena era da tecnologia no campo, tantos produtores rurais produzem mais e acabam ganhando menos? A resposta está em um fenômeno silencioso que precisa ser urgentemente reconhecido no Brasil: o Paradoxo da Produtividade Agropecuária

Por Fernando Lopa

No agronegócio brasileiro (e mundial), aumentar a produtividade nem sempre significa aumentar os lucros. Apesar das safras recordes, da adoção de tecnologias de ponta e da eficiência crescente nas propriedades rurais, muitos produtores vivem hoje uma realidade paradoxal: colhem mais, mas ganham menos! Esse é fenômeno, estudado mundialmente, que impacta produtores rurais e, de forma profunda, a economia rural mundial. Esse fenômento tem impactado produtores brasileiros de forma mais intensa nos últimos 30 anos, sendo assim, no Brasil, proponho chamá-lo de Paradoxo da Produtividade Agropecuária.

O conceito descreve uma situação que parece contraditória: quanto mais o produtor rural investe em produtividade, maior é a pressão sobre o mercado e, consequentemente, menor é o preço recebido pela sua produção. Isto é, para tentar compensar a queda na renda, muitos produtores investem e aumentam ainda mais sua produção, o que só intensifica a desvalorização dos preços.

Um verdadeiro ciclo vicioso que tem levado pequenos, médios e, até, grandes agropecuaristas a operarem com margens de lucro cada vez mais estreitas — muitas vezes no prejuízo — , e até, a abandonarem a agropecuária. Fenômeno esse que, nos últimos anos, também começa a afetar e desorganizar os demais elos da cadeia agropecuária, vide o número de falências de empresas no setor. 

Essa dinâmica fica ainda mais crítica diante de um cenário de aumento dos custos de produção. Como mencionei, no meu artigo “Fertilizantes sobem e o produtor paga sozinho a conta da comida que o Brasil todo consome“, os insumos agrícolas, como fertilizantes entre outros, têm sucessivos aumentos de preços ao longo do tempo e, sem políticas de apoio eficientes para absorver esses aumento de custos, o produtor rural acaba arcando sozinho com a diferença — enquanto os consumidores continuam pagando preços elevados pelos alimentos nas cidades.

Analisando quem de fato se beneficia dentro dessa cadeia, fica evidente que a maior parte dos lucros se concentra nas grandes corporações: empresas de insumos, tradings, mercado financeiro e redes de supermercados. O produtor rural, que corre o risco, investe e trabalha para fazer a roda girar, recebe apenas a menor fração do valor gerado.

Isso acontece porque o produtor não tem o poder de definir o preço de venda da sua produção. Na maior parte dos casos, ele é um tomador de preço — ou seja, precisa aceitar as cotações estabelecidas pelas grandes tradings ou pelas agroindústrias compradoras, que dominam o mercado de compra, venda e de exportação de produtos agropecuários. Da mesma forma, nas prateleiras dos supermercados, os alimentos chegam ao consumidor final com margens muito superiores, mas essas margens não retornam para quem produziu.

Assim, enquanto o valor pago ao produtor é pressionado para baixo, as etapas anteriores e seguintes da cadeia — insumos, revendas, maquinário, armazenamento, transporte, processamento e comercialização — concentram a maior parte do valor agregado. As grandes redes e corporações conseguem impor seus preços de compra, repassar seus custos e ainda garantir lucros elevados, transferindo todo o risco da produção para o elo mais vulnerável: o produtor.

Essa lógica cria um sistema desigual em que quem mais trabalha, mais investe e mais se arrisca é justamente quem menos ganha.

Essa concentração de ganhos em poucos elos da cadeia tem consequências nefastas, que comento no artigo “O colapso silencioso no campo: a crise que o Brasil insiste em ignorar, revelando que a crise que abate o produtor rural não é pontual, mas estruturale que, apesar de seus efeitos profundos, segue fora do centro do debate público, que se concentra nos “ganhos” do agronegócio brasileiro.

Já, em outros países, produtores rurais, tem esses efeitos amenizados, por estruturas de proteção mais robustas. Nos Estados Unidos, França e Reino Unido, por exemplo, existem políticas públicas que garantem uma estabilidade mínima de renda ao produtor. Programas de seguro agrícola, pagamentos por serviços ambientais e subsídios diretos por área cultivada são comuns nessas nações, garantindo que a produtividade não seja um risco econômico para quem trabalha no campo. No Brasil, em contrapartida, o apoio estatal ainda é quase exclusivamente focado no crédito para produção, deixando a renda do agricultor exposta à volatilidade do mercado.

No estudo realizado, exponho diversas evidências que consolidam os fatos de que o agronegócio brasileiro, desde da “Revolução Verde” iniciada com a Embrapa, na década de 1970, vive um fenômeno recorrente em que a eficiência técnica e os recordes produtivos não garantem estabilidade econômica para o produtor rural. A ausência de políticas públicas voltadas à proteção da renda e à regulação de oferta e demanda agravam o problema. Trata-se de uma armadilha econômica estrutural, na qual o produtor responde à queda de preços com mais produção, elevando custos e pressionando ainda mais os preços — um ciclo autodestrutivo em termos de viabilidade financeira. Tal dinâmica constitui o cerne do Paradoxo da Produtividade Agropecuária.

Apesar de amplamente percebido por produtores, políticos, professores de ciências agrárias, jornalistas do setor, consultores e analistas de mercado, esse fenômeno carece de uma denominação técnica consolidada na literatura brasileira. Diante dessa realidade, no meu estudo, proponho que o termo Paradoxo da Produtividade Agropecuária seja oficializado e difundido, servindo de base para estudos futuros, para a formulação de políticas públicas específicas e para subsidiar o debate sobre o agronegócio em toda a sociedade brasileira. O reconhecimento formal do paradoxo permitiria direcionar e/ou justificar ações para além do simples incentivo à produção, olhando de maneira estratégica para a renda, a valorização da produção e a sustentabilidade econômica e ambiental do setor.

O Paradoxo da Produtividade Agropecuária é um chamado à ação: sem um conceito claro, continuaremos tratando apenas os sintomas de uma crise silenciosa que ameaça o futuro do campo.

A ideia é sair da lógica puramente produtivista para construir um campo brasileiro mais justo, sustentável e economicamente viável para quem realmente produz, garantindo de forma eficaz a manutenção de micro, pequenos e médios produtores na atividade.

No final das contas, essa não é apenas uma questão rural. O futuro da produção de alimentos, da estabilidade dos preços para os consumidores e a vitalidade econômica do país dependem diretamente da saúde financeira dos produtores. Se o produtor quebra, todos pagam a contaseja no aumento do custo de vida, na desorganização dos elos da cadeia agropecuária, na perda de qualidade alimentar ou na degradação social e ambiental no campo.

Reconhecer o paradoxo é, portanto, o primeiro passo para reverter uma crise silenciosa que ameaça não apenas o presente, mas também o futuro do agro brasileiro.

Quer entender e ter um olhar mais profundo sobre esse tema? BAIXE o estudo completo de Fernando Lopa aqui: Paradoxo da Produção Agropecuária.

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26/04/2025

ABAIXO SEGUEM AS CONTRIBUIÇÕES A DISCUSSÃO DO ESTUDO ENVIADAS POR ESPECIALISTAS E FORMADORES DE OPINIÃO NO AGRONEGÓCIO

 

Alexandre Varella
Coordenador do Labex Embrapa– USA
Agrônomo Ph.D. em Ciências Vegetais

Gostaria de colocar alguns pontos:

Concordo com o paradoxo da produtividade, um raciocínio que se assemelha ao que vemos nos ciclos pecuários que alterna preços da carne, em função da oferta e demanda de abates (estimulados ou oferta e retenção de fêmeas) na propriedade. Agora, é preciso adicionar que o paradoxo também é estimulado pela estagnação da renda e do consumo em um Brasil que não cresce substancialmente e continuamente. Além disso, os ciclos de baixas nos preços poderiam ser amenizados com volumes exportados crescentes, tirando a pressão do excesso de oferta interna de produtos agrícolas. Mas isso se aplica muito sobre as commodities.

É preciso considerar que o país necessita sair do conformismo de produzir matéria prima para entrar no processamento e industrialização. Isso aumentaria o consumo dos produtos agrícolas internamente e agregaria valor no PIB e na renda gerado pelo agro. Faltam políticas públicas, treinamento, capacitação, investimentos em estrutura e logística para que isso aconteça.

É necessário mudar a cultura do Brasil de forma a reconhecer o agro como um setor de segurança nacional. Segurança alimentar, demográfica, econômica, industrial, do trabalho e inclusive ambiental. Sem a massificação desta cultura, não se abrem espaços para, por exemplo, garantir a renda do produtor.

Nos EUA, a renda é o parâmetro aceito nacionalmente para as geoestatísticas nacionais, para os critérios de concessão de financiamento e de seguro rural. Isso tudo é feito para não deixar acontecer rupturas na produção das áreas rurais que repercutiram, nas economias das cidades, nos empregos, nas agroindústrias, no consumo e na vida das pessoas que vivem em cidades de áreas agropecuárias. Esta cultura abre portas para políticas públicas diversas que saem do Congresso americana sem a mínima reação ou contestação da população, inclusive a urbana.

Obrigado por dividir comigo este artigo e pensamentos sobre o funcionamento do agro brasileiro. Parabéns pela iniciativa.

Maurício Palma Nogueira
Sócio diretor na Athenagro Consultoria
Eng. Agrônomo

O conceito embutido no Paradoxo da Produtividade Agropecuária está adequado quando você menciona custos médios e margens de volume por produto (por unidade produzida). De fato, é exatamente isso que observamos, tanto que sempre divulgamos esses custos nos gráficos voltados à pecuária em nossos boletins.

No entanto, quando o produtor decide investir em um pacote tecnológico mais avançado, seu objetivo principal passa a ser o aumento da receita por área. Caso contrário, não haveria justificativa para esse investimento, pois, sem aumento de produtividade, não haveria geração adicional de recursos.

Portanto, mesmo com o aumento dos custos, o produtor está mirando o crescimento da receita por hectare. O que ocorre, na prática — e que considero essencial destacar com base nos nossos estudos — é que, embora se busque essa maior rentabilidade por área, o risco envolvido cresce significativamente, e a margem por unidade produzida (por saca, arroba, quilo, etc.) tende a cair.

Esse aumento de risco é o ponto crucial. Quando há uma oscilação negativa no mercado, como frequentemente ocorre em atividades agropecuárias, os prejuízos se instalam rapidamente e se ampliam, justamente o oposto do que o produtor espera ao adotar tecnologias mais intensivas.

Por isso, acredito que essa lógica deveria ser incorporada à Análise Funcional do Paradoxo (item 3.2.1.1). O aumento da produtividade por área, embora desejável, reduz a margem unitária e expõe o produtor a riscos elevados. Esse, na minha opinião, é um dos maiores desafios enfrentados na produção rural atualmente.

Ótimo texto e muito interessante a abordagem.

Carlos Dias
Membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos
Instituto Democracia e Liberdade
https://www.institutoidl.org.br/

Acredito que seu diagnóstico do “Paradoxo da Produtividade Agropecuária” identifica um fenômeno real. Entretanto, tenho a percepção que as verdadeiras causas estruturais, decorrem não da ausência de intervenções estatais.

Entendo, que precisamente tais distorções são por elas provocadas. As políticas de crédito subsidiado e incentivos produtivistas, desde a Revolução Verde, desalinharam artificialmente oferta e demanda, criando um ciclo vicioso onde produtores respondem a preços deprimidos com mais produção.

A concentração de poder nas grandes corporações resulta não do livre mercado, mas de arranjos institucionais que privilegiam agentes com influência política. Suas referências internacionais (EUA, França) são exemplos de como subsídios distorcem mercados globais, prejudicando produtores brasileiros.

A solução real exige reformas institucionais profundas: desregulamentação que permita novos canais de comercialização, estabilidade monetária para cálculo econômico acurado, eliminação de privilégios corporativos e fortalecimento da liberdade contratual.

O paradoxo sem dúvida existe, mas infelizmente, a CNA perdeu a capacidade de análise em termos de inteligência econômica do setor agrícola. Não se discute temas como o de sua proposição em ambiente independente, e até mesmo pensando de forma estratégica no desenvolvimento do Brasil. Seria muito bom uma reversão desse quadro, que tornou a CNA, em parte, um cartório.

Gustavo Spadotti
Chefe-Geral da Embrapa Territorial
Eng. Agrônomo Doutor em Agricultura/Fitotecnia.

O tema abordado está no DNA da Embrapa, desde sua fundação. A busca nunca foi exclusiva por produtividade, mas sim por competitividade. Por isso, ainda seguimos, por exemplo, com melhoramento genético que não seleciona apenas os maiores tetos produtivos, mas sim materiais mais sadios, com resistência a um ou mais patógenos. Por isso, nossos sistemas de produção de melhoramento não usam doses excessivas de fertilizantes, mas sim trabalham com solos moderadamente férteis. E assim por diante.

Parabéns por abordar este tema.

Mauricio Schneider
Administrador – CEO da SoluBio
Membro do Acelerate 2030, da ONU.Compartilhamos da mesma visão. Concordo plenamente com o que você escreveu. Inclusive esses dias li um estudo da BCG (Boston Consulting Group) também falando sobre esse tema de uma forma indireta.

Esse paradoxo da produtividade me lembra muito o que discutimos sobre China e a capacidade deles de capturar valor nas cadeias produtivas, enquanto o Brasil se concentra em empilhar toneladas.

Produzimos cada vez mais… mas a margem, essa escapa pelos dedos.
A BCG deixou claro no estudo sobre resiliência agroalimentar:
• US$ 3 trilhões em risco até 2030 por conta de disrupções climáticas, logísticas e políticas.
• 1,3 bilhão de toneladas de alimentos perdidas por ano por falta de inteligência na cadeia.

Enquanto isso, a China faz exatamente o oposto:
• Captura valor ao longo da cadeia, investindo pesado em processamento, tecnologia e integração logística.
• A cada saca de soja que sai do Brasil, eles geram múltiplos de valor em óleo, farelo, bioplásticos e até proteínas cultivadas.
• Eles transformam commodities em produtos de alta margem.

Aqui, seguimos reféns do preço da saca, enquanto eles constroem ecossistemas completos. É por isso que o conceito de Produção Resiliente vai além da produtividade: é sobre capturar valor localmente, integrar a cadeia, diversificar receita e mitigar riscos. Não dá para continuar entregando o ouro e comprando de volta o produto final.

Produção Resiliente é sobre fazer aqui o que a China faz com o que exportamos para lá. Se eles conseguem criar valor… por que nós não?

Francisco Vila
Consultor Internacional
Conselheiro do COSAG/FIESPNa realidade, o setor está sendo confrontado com vários PARADOXOS. Primeiro, existe no mercado nacional uma parcela de consumidores potenciais que, pelo baixo rendimento, ainda não podem ser atendidos. No mundo ocorre o mesmo em países com altos números de população, mas de baixo potencial de compra. Podemos prever que, com o tempo, esta situação da demanda vai melhorar e absorver o aumento da produção ano após ano.

Por outro lado, existe o paradoxo entre a tendência do aumento da demanda por alimentos e o potencial do aumento da oferta. Pesquisadores já avisaram há uma década que a China passará a exportar soja em torno do ano 2040 devido ao avanço tecnológico que reduzirá o consumo de água por tonelada.  Considerando que a Holanda exporta tomates para o mundo que são produzidos com apenas 10% do volume da água de seus concorrentes dos EUA, temos uma ideia clara sobre como o avanço tecnológico acelerado perturbará todas as cadeias produtivas dos alimentos no mundo.

Uma perspectiva semelhante podemos observar no desenvolvimento de carnes de laboratório. Mesmo sem reduzir a curva de crescimento da produção das carnes tradicionais, este setor complementará a oferta, nomeadamente em países que atualmente consomem este produto bem abaixo da sua vontade. (China com 6,9 kg/capita de carne bovina). Pois, quem já provou carne artificial entende que populações que não tiveram acesso à chamada ‘carne de verdade’, estariam bem contentes podendo saborear esta ‘carne de segunda/artificial’. E o aumento da demanda por carne fará com que estes dois produtos poderão coexistir pacificamente.

Outra questão seria se uma redução do financiamento público, tanto para investimentos como do custeio dos produtores de pequeno porte, não poderia limitar a tendência do aumento contínuo da oferta e, por consequência, da redução das margens para este setor. Políticas públicas como o Plano Safra e Seguro Rural são política, social e eticamente corretas, mas contribuem para o desequilíbrio entre demanda e oferta que aperta as margens para o pequeno  produtor por ele ser o elo mais fraco da cadeia de alimentos. Vale a pena refletir sobre como este segmento pode reforçar seu poder de negociação (antes e depois da porteira) através de políticas mais eficientes de sindicatos, associações de classe e das cooperativas (que já respondem por cerca 60% das exportações alimentares). Sempre bater no slogan “Juntos somos mais fortes”.

Osler Desouzart
CEO da OD Consulting
Membro do Conselho Consultivo do World Agriculture ForumLi seu texto no grupo, e o paradoxo também prevalece na suinocultura e na avicultura, onde entre 65% e 70% dos custos estão nos grãos — e, ao contrário dos ruminantes, não há o alívio proporcionado pelos volumosos. O setor enfrenta ciclos de dificuldade, onde a rentabilidade é duramente pressionada, até que, em algum momento, o cenário se inverte e os resultados aparecem. É quase como na velha máxima: muitos são os chamados, poucos os escolhidos.

Não é à toa que tantas marcas tradicionais desapareceram ou foram absorvidas: Bordon, Anglo, Frigol, Masterboi, Forte Frigo, Mars… Hoje, quando muito, restam como rótulos sob o guarda-chuva dos três grandes sobreviventes — JBS, Marfrig e Minerva. A mesma tendência de concentração se observa na avicultura e na suinocultura, onde duas empresas já respondem por metade do mercado. Esse fenômeno se estende globalmente, e as gigantes brasileiras têm adotado com êxito uma estratégia de glocalização, adaptando-se aos mercados locais sem perder a escala global.

Apesar dos desafios, os números mostram que o setor segue crescendo. A carne de frango mantém sua posição como principal fonte de proteína animal no Brasil, com consumo per capita girando em torno de 47 kg por ano, próximo ao limite de saturação. Já a carne bovina, pressionada pelo aumento de preços e pelo foco em exportações, perdeu espaço na mesa do consumidor, recuando de mais de 40 kg para pouco mais de 23 kg por habitante ao ano. A carne suína, antes restrita a datas festivas e embutidos, avança progressivamente no consumo semanal das famílias. Campanhas de reposicionamento, cortes mais magros e embalagens adaptadas aos novos perfis de domicílio — menores, mais urbanos e muitas vezes unipessoais — facilitaram essa integração. O consumo por pessoa ainda oscila, mas há projeções de crescimento que podem levá-lo a superar os 25 kg na próxima década.

Essas transformações estão diretamente ligadas à mudança no perfil demográfico brasileiro: queda na taxa de natalidade, envelhecimento da população, lares menores e novas formas de relacionamento. Com isso, mudam também as demandas por formatos, porções e comunicação — decretando, de certa forma, a morte do tradicional “quilo de carne”. O setor, para se manter relevante, precisa dialogar com novos valores, adaptar-se ao comportamento das gerações mais jovens e oferecer conveniência sem abrir mão da qualidade. Tudo isso num cenário de insegurança alimentar para milhões de brasileiros, o que torna ainda mais relevante a eficiência da cadeia produtiva e sua capacidade de entregar mais com menos.

O paradoxo, portanto, permanece: mesmo diante da concentração extrema, da pressão dos custos e das mudanças sociais, o setor de proteína animal no Brasil continua a crescer — puxado pela resiliência produtiva, pela inteligência de mercado e pela capacidade de se reinventar.