🌍 O que a Climate Farmers Identificou
A Climate Farmers, organização sem fins lucrativos pioneira no sistema europeu de créditos de carbono, fundada com o objetivo de ajudar agricultores a adotarem práticas regenerativas e remunerá-los por isso por meio de créditos de carbono no solo, percebeu, após anos de experiência, que o sistema atual não entrega o que promete e resolveu abandonar o sistema de mercado de carbono.
Segundo os próprios fundadores, o mercado de carbono virou uma engrenagem complexa, lenta e cada vez mais distante da realidade de quem está no campo, não priorizando a regeneração ambiental, além de não valorizar de verdade quem produz com responsabilidade ambiental.
Essa mudança marca um divisor de águas para o agro mundial e chega num momento em que o setor agropecuário vive uma crise de confiança na viabilidade e justiça dos mercados de carbono, com volatilidade crescente e desafios financeiros .
🧭 A Proposta da Climate Farmers: Nova lógica sustentável
A organização propõe uma nova lógica para o para valorizar o produtor rural regenerativo substituindo o crédito invisível de carbono por produtos visíveis, rastreáveis e com valor agregado no mercado, ou seja, defende um modelo mais direto, que remunera o produtor não pelo quanto ele compensa, mas pelo que ele entrega em regeneração — solo fértil, biodiversidade, água limpa, alimentos com rastreabilidade.
Busca, assim, reconhecer verdadeiramente práticas regenerativas no solo, apoiar financeiramente longos ciclos de adoção dessas práticas (como rotação de culturas, plantio direto, florestamento e sistemas de integração floresta-pecuária) , incentivar a participação ativa dos produtores no desenvolvimento dos protocolos (garantindo que as soluções sejam aplicáveis e financeiramente viáveis), combater a especulação e a falta de padronização nessas práticas.
🌱 Regeneração como Antídoto ao Paradoxo da Produtividade Agropecuária
Essa mudança tem tudo a ver com o que começamos a chamar no Brasil de Paradoxo da Produtividade Agropecuária — aquela situação em que o produtor investe pesado para aumentar a produtividade, mas quanto mais ele produz, menor é o preço que recebe. Resultado? Produz mais, mas lucra menos.
A lógica é simples: não adianta só produzir mais. É preciso produzir melhor. E mais importante: ser reconhecido e remunerado por isso.
Ao sair do mercado de carbono e propor um modelo focado em valor, e não em volume, a Climate Farmers aponta um caminho para romper esse paradoxo. O produtor, principalmente pequenos e médios, não precisará buscar aumentar volumes e competir por preço e com grandes conglomerados agropecuários. O foco passa a ser:
- A lógica do abastecimento – Em vez de quantificar e vender créditos, prioriza-se a certificação de produtos baseados em práticas regenerativas, criando conexões diretas com consumidores, compradores e investidores que valorizam alimentos mais sustentáveis.
- Relações comerciais mais justas baseadas em valores – O supermercadista ou indústria paga pelo diferencial do produto, em vez de adquirir uma peça de carbono vendida como “compensação”. Essa lógica fortalece uma cadeia mais ética e direta. (menos atravessadores, mais parcerias);
- Transparência e rastreabilidade – Ao adotar métricas claras das ações (como cobertura vegetal, sequestro no solo e gestão da água), cria-se um sistema mais confiável, distinto da complexa burocracia dos créditos de carbono.
- Estabilidade de renda – agora baseada em qualidade ambiental e não só em volume de produção.
- Evitar o ciclo vicioso de excesso de produção e margens apertadas – a receita será baseada em serviços ambientais.
- Incentivar a sustentabilidade estrutural – fortalecimento das propriedades que enfrentam vulnerabilidade diante de ciclos produtivos tradicionais.
- Valorizar o produtor rural – valorização de quem realmente gerencia a terra, cuida dos ecossistemas e também assume os riscos por essa contribuição ao meio ambiente.
💰 Um Novo Paradigma Financeiro para o Agronegócio
O mercado voluntário de carbono, estimado em cerca de US$ 2 bilhões, é frequentemente tratado como uma solução central para a crise climática. No entanto, sua estrutura atual é insuficiente — tanto em escala quanto em abordagem — para enfrentar os desafios reais do campo. Projetado para compensações pontuais e desconectadas, esse mercado falha ao tentar aplicar lógica contábil a algo tão vivo, dinâmico e multifuncional quanto o solo, ao tratá-lo como uma simples unidade de carbono negociável, perde-se a oportunidade de reconhecer seu papel estratégico na sustentabilidade do agronegócio e na segurança alimentar.
Economistas como Jeffrey Sachs apontam para a necessidade de um novo modelo de financiamento: em vez de mecanismos voltados à compensação de emissões, é preciso investir na regeneração de sistemas inteiros. Isso inclui políticas públicas e instrumentos financeiros que incentivem práticas regenerativas em escala — algo que os créditos de carbono, em seu formato atual, não são capazes de fazer.
A agricultura regenerativa, por sua natureza, exige uma abordagem integrada. Ela depende de ecossistemas funcionando em equilíbrio e de produtores engajados em práticas que restauram, e não apenas exploram, os recursos naturais. E aqui está o ponto crucial: não existe regeneração sem os agricultores. São eles que manejam o solo, cuidam da biodiversidade e enfrentam os riscos do clima e do mercado. Portanto, os incentivos precisam começar no nível da fazenda, conectando o micro (a produção) ao macro (os objetivos ecológicos e climáticos globais).
💡Um sinal para o agro brasileiro: Sustentabilidade real exige coragem, não retórica
A decisão da Climate Farmers sinaliza uma virada: da negociação de carbono para a construção de valor real na produção agropecuária. Para produtores, representa um chamado à inovação: fortalecer práticas regenerativas validadas por indicadores e conectá-las ao mercado.
O modelo proposto não representa um retrocesso, mas sim um avanço. Ela sinaliza uma mudança de mentalidade: deixar de financiar apenas o que é fácil de medir e começar a apoiar o que realmente importa. Ou, em outras palavras, colocar a regeneração acima da compensação, o solo acima das simulações. É uma oportunidade de alinhar produtividade, sustentabilidade e retorno financeiro, construindo um agro mais justo, rompendo com o Paradoxo da Produtividade Agropecuária.
Governos, grandes corporações, entidades do setor agropecuário e formadores de opinião devem começar a pensar em métricas mais convenientes ao meio ambiente e deixarem de fortalecer discursos vazios sobre sustentabilidade.
A regeneração dos sistemas produtivos e ecológicos exige coragem política, visão estratégica e compromisso real com o futuro. Incentivar práticas regenerativas não é um custo – é um investimento na resiliência do produtor rural, na segurança alimentar e na estabilidade climática global.
Se quisermos soluções reais para os desafios do século XXI, precisamos de sistemas financeiros, políticas públicas e modelos produtivos tão interconectados e ambiciosos quanto os ecossistemas que desejamos restaurar. O agronegócio pode, e deve, liderar essa transformação. Mas ele precisa de aliados sérios e comprometidos.
Fonte Principal : Artigo da Revista Forbes
Autor: Fernando Lopa
WebRural Consultoria e Mentoria Online para o Agro
14/05/2025